Hoje tive uma das experiências mais loucas e ao mesmo tempo
tão simples...
Foi num restaurante, tipicamente italiano, do nosso couch
aqui em Roma. Um jantar às escuras, ou melhor dizendo, às cegas... Até aí, para
alguns não é uma grande novidade, mas o lance é que a sala estava num black out
total, e fomos guiados (e servidos) por um grupo de deficientes visuais que
jogam basebol aqui, assim o dinheiro arrecadado do jantar foi para a
Instituição de esporte que eles participam... Eles fazem todo ano há 5 anos...
Bom, a experiência:
Chegamos mais cedo com o Cristian (nosso couch) pois ele
precisava organizar umas coisas pro evento... Ficamos numa mesa lá fora
esperando e fomos acompanhando a chegada das pessoas. A maioria chegava de
taxi, então demorávamos um pouco pra se quer perceber quem eram os cegos, só
quando depois de uns passos eles abriam a guia e então sabíamos... Incrível!
Entravam com naturalidade, e o melhor: cegos guiavam
cegos... rs
Enfim, nossa hora de entrar no salão. Éramos do grupo da
Stefania, que falava inglês e pudia nos assessorar melhor. Ela nos pegou na
porta, pediu que eu colocasse minha mão no ombro dela e a seguisse. Passando a
segunda cortina já não via mais nada! JURO! Pensei: ok, em alguns minutos e
minha mente se acostumará...
Ela me mostrou meu lugar e tateando me sentei... Muito
barulho das pessoas falando que com o lugar todo fechado parecia ainda mais
alto, sem esquecer nunca do detalhe que estava na Itália... eram 99% italianos
ali falando... rs
Bom, Vanessa sentou do meu lado... já estávamos rindo da
situação pois realmente não víamos NADA e fui percebendo que não acostumaria
com o tempo... estava TUDO realmente fechado...
Confesso que nessa hora fiquei com um pouco de falta de
ar... foi dando uma fobia pensar que aquela seria minha situação para as
próximas horas... horas, pensei... ok, me propus a isso, e são horas, então fui
respirando e relaxando... Fui tateando tudo e organizando meu espaço: posição
dos copos, guardanapo, talheres (quais talheres tinha), e tentando ouvir as
pessoas que estavam a minha volta. Vi então que conseguia ver uma luzinha de um
relógio de uma mulher quase a minha frente... nessa hora fiquei puta pois
estava atrapalhando a total efetividade do objetivo... não, não chegava a
iluminar nada, mas eu não queria mais ver absolutamente nada, né... então
fechei os olhos e fui tentando me manter assim... Foi quando percebi que com o
tempo já não sabia se estava ou não com os olhos fechados... eles se moviam
independentemente disso...
Consegui me servir de água e de vinho! Uau! Posicionei os
copos de forma que não confundisse, pois não seria muuuuito legal dar um golão
no vinho esperando lavar a boca de água...rs
Primeiro prato. Recebi depois de um tempo que a pessoa da
minha frente e senti cheiro de atum... a pessoa disse “salmão” e fiquei com
isso na cabeça. Chegou o meu. Cadê? Que que é isso? Como faço? Corto? Não
consigo... é pão italiano!!! Bom, ninguém ta vendo, vou com as mãos... pumba
numa maionese... já era... dei um jeito e peguei.... que delíiiiiicia!
Bruscheta de presunto cru com maionese de atum e kiwi (ok, a fruta descobri
depois, na hora senti apenas que havia algo docinho). Lambi os dedos,
guardanapo e acabou!
Além do retrogosto, ficou a deliciosa sensação de que não
tinha ninguém me vendo... seguido do pensamento: ok, aqui não estão me vendo,
mas na realidade deles nós estamos os vendo, então, como eles fazem isso?????
Respirei... mesmo porque imaginei que não iria conseguir comer os outros 2
pratos também com as mãos, né...
Mais relaxada, veio o segundo prato. Novamente fui servida
depois, e já sentia o cheiro do queijo... fácil esse mesmo poruqe como já
tínhamos visto o cardápio do restaurante, logo associei: era o nhocchi de 4
queijos... Identifiquei a mais só as nozes... E perfeito pra começar a pegar a
prática, certo...
Segundo prato: vixe.... Ok, tem batata sotê. Tem radicchi..
não, é rúcula... Tem parmesão. E carne tipo rosbife com um molho que deu
gostinho de bife de panela! Cortar a carne??? Jamaaais! Não conseguia... Fui
meio que espetando e comendo o que vinha... uma experiência louca! E de novo,
ainda bem que não estão me vendoooooo! Kkkkk
Sobremesa: Saladinha de frutas com pedacinhos de nozes e uva
passas... fácil também!
O jantar durou umas 3 horas... sim, levava um bom tempo para
eles também conseguirem servir a gente... eram quase 60 pessoas ali...
O barulho parecia cada fez mais ensurdecedor e como foi me
irritando. Os olhos fechados acho que foram mandando a informação “hora de
dormir” pro meu cérebro pois fui ficando com um sono absurdo... ok, estávamos
parados ali esperando a maior parte do tempo, pois na nossa mesa ninguém falava
nada além de italiano, a não ser a doce Stefania... Que graça de menina! Quanta
gentileza, educação.... sensibilidade!
As luzes foram levemente se acendendo. Acabou. Ufa??? Sim,
confesso, mas com um gosto excitante pelo que tinha acabado de viver, várias
idéias e pensamentos sedentos para serem compartilhados... Quero fazer isso de
novo! Imaginando as diversas formas de fazer isso e outras experiências desse
tipo! UAU!
Stefania tem 33 anos, nasceu cega, caçula de mais 6 irmãos.
É de Sicília, mas há 13 anos veio para Roma trabalhar. Estudou em um colégio
regular e era a única deficiente visual de sua sala. Disse que no primário as
crianças agiam tranquilamente, mas que no ginásio as coisas eram mais
complicadas, o que voltou a ficar mais tranqüilo no colegial porque as pessoas
“já eram mais inteligentes” segundo ela... Teve sorte pois uma professora sabia
braile e a ensinou. Fez faculdade de letras (fala francês, alemão e um pouco de
inglês) e trabalha no Ministério da Educação na parte do Call Center. Mora
dividindo um apartamento com mais outras 2 pessoas e namora um rapaz, albino e
paralítico há 7 anos, mas ainda não pensa em se casar pois os pais do namorado
não a aceitam muito bem... No tempo livre ela joga basebol, que adora e faz
teatro.
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