sexta-feira, 8 de junho de 2012

Eu já... fui a um jantar às cegas!


Hoje tive uma das experiências mais loucas e ao mesmo tempo tão simples...

Foi num restaurante, tipicamente italiano, do nosso couch aqui em Roma. Um jantar às escuras, ou melhor dizendo, às cegas... Até aí, para alguns não é uma grande novidade, mas o lance é que a sala estava num black out total, e fomos guiados (e servidos) por um grupo de deficientes visuais que jogam basebol aqui, assim o dinheiro arrecadado do jantar foi para a Instituição de esporte que eles participam... Eles fazem todo ano há 5 anos...

Bom, a experiência:
Chegamos mais cedo com o Cristian (nosso couch) pois ele precisava organizar umas coisas pro evento... Ficamos numa mesa lá fora esperando e fomos acompanhando a chegada das pessoas. A maioria chegava de taxi, então demorávamos um pouco pra se quer perceber quem eram os cegos, só quando depois de uns passos eles abriam a guia e então sabíamos... Incrível!
Entravam com naturalidade, e o melhor: cegos guiavam cegos... rs
Enfim, nossa hora de entrar no salão. Éramos do grupo da Stefania, que falava inglês e pudia nos assessorar melhor. Ela nos pegou na porta, pediu que eu colocasse minha mão no ombro dela e a seguisse. Passando a segunda cortina já não via mais nada! JURO! Pensei: ok, em alguns minutos e minha mente se acostumará...
Ela me mostrou meu lugar e tateando me sentei... Muito barulho das pessoas falando que com o lugar todo fechado parecia ainda mais alto, sem esquecer nunca do detalhe que estava na Itália... eram 99% italianos ali falando... rs

Bom, Vanessa sentou do meu lado... já estávamos rindo da situação pois realmente não víamos NADA e fui percebendo que não acostumaria com o tempo... estava TUDO realmente fechado...
Confesso que nessa hora fiquei com um pouco de falta de ar... foi dando uma fobia pensar que aquela seria minha situação para as próximas horas... horas, pensei... ok, me propus a isso, e são horas, então fui respirando e relaxando... Fui tateando tudo e organizando meu espaço: posição dos copos, guardanapo, talheres (quais talheres tinha), e tentando ouvir as pessoas que estavam a minha volta. Vi então que conseguia ver uma luzinha de um relógio de uma mulher quase a minha frente... nessa hora fiquei puta pois estava atrapalhando a total efetividade do objetivo... não, não chegava a iluminar nada, mas eu não queria mais ver absolutamente nada, né... então fechei os olhos e fui tentando me manter assim... Foi quando percebi que com o tempo já não sabia se estava ou não com os olhos fechados... eles se moviam independentemente disso...

Consegui me servir de água e de vinho! Uau! Posicionei os copos de forma que não confundisse, pois não seria muuuuito legal dar um golão no vinho esperando lavar a boca de água...rs
Primeiro prato. Recebi depois de um tempo que a pessoa da minha frente e senti cheiro de atum... a pessoa disse “salmão” e fiquei com isso na cabeça. Chegou o meu. Cadê? Que que é isso? Como faço? Corto? Não consigo... é pão italiano!!! Bom, ninguém ta vendo, vou com as mãos... pumba numa maionese... já era... dei um jeito e peguei.... que delíiiiiicia! Bruscheta de presunto cru com maionese de atum e kiwi (ok, a fruta descobri depois, na hora senti apenas que havia algo docinho). Lambi os dedos, guardanapo e acabou!

Além do retrogosto, ficou a deliciosa sensação de que não tinha ninguém me vendo... seguido do pensamento: ok, aqui não estão me vendo, mas na realidade deles nós estamos os vendo, então, como eles fazem isso????? Respirei... mesmo porque imaginei que não iria conseguir comer os outros 2 pratos também com as mãos, né...

Mais relaxada, veio o segundo prato. Novamente fui servida depois, e já sentia o cheiro do queijo... fácil esse mesmo poruqe como já tínhamos visto o cardápio do restaurante, logo associei: era o nhocchi de 4 queijos... Identifiquei a mais só as nozes... E perfeito pra começar a pegar a prática, certo...
Segundo prato: vixe.... Ok, tem batata sotê. Tem radicchi.. não, é rúcula... Tem parmesão. E carne tipo rosbife com um molho que deu gostinho de bife de panela! Cortar a carne??? Jamaaais! Não conseguia... Fui meio que espetando e comendo o que vinha... uma experiência louca! E de novo, ainda bem que não estão me vendoooooo! Kkkkk

Sobremesa: Saladinha de frutas com pedacinhos de nozes e uva passas... fácil também!
O jantar durou umas 3 horas... sim, levava um bom tempo para eles também conseguirem servir a gente... eram quase 60 pessoas ali...

O barulho parecia cada fez mais ensurdecedor e como foi me irritando. Os olhos fechados acho que foram mandando a informação “hora de dormir” pro meu cérebro pois fui ficando com um sono absurdo... ok, estávamos parados ali esperando a maior parte do tempo, pois na nossa mesa ninguém falava nada além de italiano, a não ser a doce Stefania... Que graça de menina! Quanta gentileza, educação.... sensibilidade!

As luzes foram levemente se acendendo. Acabou. Ufa??? Sim, confesso, mas com um gosto excitante pelo que tinha acabado de viver, várias idéias e pensamentos sedentos para serem compartilhados... Quero fazer isso de novo! Imaginando as diversas formas de fazer isso e outras experiências desse tipo! UAU!
Stefania tem 33 anos, nasceu cega, caçula de mais 6 irmãos. É de Sicília, mas há 13 anos veio para Roma trabalhar. Estudou em um colégio regular e era a única deficiente visual de sua sala. Disse que no primário as crianças agiam tranquilamente, mas que no ginásio as coisas eram mais complicadas, o que voltou a ficar mais tranqüilo no colegial porque as pessoas “já eram mais inteligentes” segundo ela... Teve sorte pois uma professora sabia braile e a ensinou. Fez faculdade de letras (fala francês, alemão e um pouco de inglês) e trabalha no Ministério da Educação na parte do Call Center. Mora dividindo um apartamento com mais outras 2 pessoas e namora um rapaz, albino e paralítico há 7 anos, mas ainda não pensa em se casar pois os pais do namorado não a aceitam muito bem... No tempo livre ela joga basebol, que adora e faz teatro.

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